15 julho 2003
Ok Pretão, você venceu!
Estava descansando depois de dez horas de trabalho, longe da família que curtia os dias de sol do feriadão na Região dos Lagos, quando o telefone tocou:
- Alô, respondi com voz de sono.
- Oi, amor, tenho uma surpresa e tanto pra você!, exclamou no maior pique do outro lado da linha, minha mulher Rosana.
Pensei logo: Ganhei na loteria, estou rico, não trabalho mais a partir de amanhã. Mas da mesma forma que a euforia veio correndo, chegou voando a desilusão. Afinal, lembrei-me que não jogo na loteria.
- Fernando, acabei de achar um cachorrinho perdido no nosso terreno. Ele é poodle, preto, lindo e manso. Parece que me conhece há anos. O bicho é tudo de bom, concluiu minha radiante esposa.
Pensei no pior. Ela vai querer trazer o bichano para o nosso apartamento. Dito e feito.
- Vou deixar as crianças com os seus pais e pego um ônibus amanhã bem cedo. Depois, pego o carro em casa, deixo você no trabalho e retorno dirigindo para a Região dos Lagos. Eu, as crianças e o Pretão estaremos em casa no final da tarde.
Minha mulher tinha acabado de assumir a “viagem”.
- Não! Mil vezes, não! Nós já temos a Shaika (uma poodle branca). Ela está com doze anos, é donzela e afinal de contas, a bicha não vai resistir a essa traição, respondi quase rosnando.
- Você não pode falar assim. As crianças adoraram o Pretão. Eles vão ficar doentes se eu deixar o cachorro aqui, retrucou aos prantos minha mulher.
Apelo de mulher e de crianças sobre um cão abandonado, nessa altura da vida não tem jeito.
No sábado à noite, fui até a rodoviária buscar a família. Lá estavam minha mulher, meus dois filhos, minha cunhada, mochilas, bolsas e... ele mesmo! O novo integrante da família. No carro, de volta para casa, minha mulher contou a experiência de catar pulgas dentro de uma van lotada de passageiros.
- Fernando, o Pretão estava cheio de pulgas. Aproveitei a viagem para fazer uma limpeza. Ainda bem que os passageiros não perceberam, concluiu minha mulher, acariciando a cabeça do cachorro que dormia o sono dos justos e dos sem pulgas.
Depois de uma semana de estadia na casa da minha sogra e de vários apelos de minha família, o Pretão mudou-se para o meu apartamento. Minha casa virou uma espécie de Faixa de Gaza.
Quando a Shaika e o Pretão não respeitam os limites do território de cada um, a guerra explode. Pelo menos, ambos estão vacinados.
Escrevi esse sofrimento pessoal com o Pretão esparramado no chão, olhando para mim. É como se ele falasse: “Aí, mané, vê se escreve direitinho a minha história no jornal, falou bicho?”
Já que não posso chamar a Suípa e nem a Vera Loyola, só me resta dizer: Ok, Pretão, você venceu!
* Fernando César é o meu irmão mais famoso, nas horas vagas é repórter da TV Record – RJ e deverá procurar um sócio pra abrir uma Petshop.